quinta-feira, 28 de maio de 2009

Parem de Falar Mal da Rotina

Foto: Dalton Valério

"Sou da época em que peça que faz sucesso ficava em cartaz". Foi com essa frase que o diretor do teatro SESI Centro, Colmar Diniz, convidou Elisa Lucinda a seguir em cartaz com sua peça Parem de Falar Mal da Rotina naquela casa que tem seus 350 lugares lotados nos finais de semana.

Com sete anos em cartaz em diversas cidades brasileiras, essa peça é, nas palavras de Nélida Piñon, "um acontecimento da escola de Cervantes", pois nos possibilita o luxo de ver e rir de nosso ridículo, do cotidiano e alegria de nossas vidas, por nos possibilitar estar no palco com Elisa Lucinda, por nos lembrar de nossos passos - dados ou exitados -, da importância do dizer eu te amo para a pessoa amada, do olhar carinhoso e atento ao filho que descobre o mundo, dos mundos guardados dentro das páginas de um livro, do sabor delicioso da poesia banhado com a calda da vida que o cotidiano nos dá, e talvez aí esteja a motivação que faz com que a platéia - sempre fiel - volte diversas vezes, seja solitariamente, como aquele que disse que vinha sempre aos domingos por ter o espetáculo como uma missa, seja na companhia de um amor, de um amigo, aproveitando o deleite de ver o efeito do transcorrer da peça naquela pessoa, seja porque ele, o espetáculo, assim como a vida, nunca se repete, sempre tem alguma coisa nova para surpreender e apreender.

Se a diversidade é um grande valor da sociedade contemporânea, ela é rainha no centro do Rio de Janeiro aos finais de semana. São pessoas vindas de todos os bairros e regiões da cidade, da Tijuca, do Méier, da Penha, de Copacabana, da Barra, de outros municípios, como Nova Iguaçú, Niterói, São João do Meriti, e até quatro vezes de São José do Rio Preto, 900 km de distância do Rio. Todas elas talvz atraídas pela curiosidade de entender a emoção dos que já viram a peça, ou pela possibilidade de vivenciar, nas suas duas horas e meia de duração - com quinze minutos de intervalo - a magia do teatro, pois Elisa Lucinda toma o palco e, com doação plena, conduz todos pela comédia que leva a platéia de amplas gargalhadas ao profundo drama, com reflexão sobre os dilemas e males contemporâneos.

Não é só um espetáculo com poesia, não é um programa de auditório, não é uma comédia, não é um teatro clássico, não é auto ajuda, não é um show de música, mas sim tudo junto, todas as partes do diverso que a vida tem, toda a diversidade de olhares presente no encontro, trazendo para o dia a dia um cotidiano poético, e com preocupação, com compromisso social, com o compartilhamento de caminhos e possibilidades, como a sugestão de leitura de um livro, de uma boa matéria publicada em uma revista, a "campanha" pela adoção intelectual de uma criança ou jovem, e assim Elisa Lucinda vai criando uma relação de cumplicidade com a platéia, que, ao ouvir seus poemas pontuados no decorrer do espetáculo, e, ao reconhecer-se nos inúmeros personagens expostos nas cenas, se livram do ranço de achar que poesia é algo somente para intelectuais empolados e descobrem que ela está presente no café da manhã, no pão quentinho, no filho com uniforme do colégio, em um belo amanhecer, que todo dia vem brindando a nova e constante possibilidade de recomeço.

Ao final, a rotina de cada um dos espectadores está ali na frente, sendo apresentada, sendo debatido, para que, em se desejando, não seja um fardo, não seja um pesar, mas a "burilação eterna" e um brinde à vida inédita que temos pela frente como protagonistas de nossa própria existência.

Para quem ainda não viu, vale uma ida ao centro - da cidade e de si mesmo. E a peça Parem de Falar Mal da Rotina fica em cartaz até agosto...do público.

Rio, outono deslumbrante de 2009.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Prateleira do desejo

Passeio no centro do Rio de Janeiro sentindo o vento do Arpoador na fronte, o sabor da fêmea dela nos lábios e uma estrada de tijolos amarelos nos sonhos que tenho. As matas de Oxóssi que vi por uma janela ficam mais distantes, mas o mar de Yemanjá batendo nas pedras do senhor da justiça ficará a poucos passos, esses do caminho que espero iniciar agora, no café da travessa prateleira do meu desejo.

A ventania das letras

Foi na Rua do Ouvidor que o vento - e o Rodrigo - plantaram a Folha Seca, livraria e editora que mantém o charme das duas coisas com excelentes títulos e um ótimo atendimento. Lá ganhei um mapa com as livrarias do Centro e achei um lindo livro sobre o jongo no Vale do Paraíba, que vem com CD e letra para conhecermos e vivenciarmos essa delícia do Brasil.

A Folha Seca tem títulos ótimos e trata a criação do livro com um processo especial, e isso está evidente quando olhamos o resultado. Assim como ela, outras novas editoras vêm surgindo, como a Réptil, Casa da Palavra, Capivara e por aí vai, e é nesse nascedouro que a editora Casa Poema está, para se unir a essa rede de amantes do livro e das palavras.

Confeitaria Colombo

Tudo bem, sei que falar maravilhas da Confeitaria Colombo, no centro do Rio de Janeiro, pode até parecer lugar comum, mas ao se entrar aqui pela primeira vez - como é o meu caso - realmente voltamos no tempo e quase achamos que não estamos adequadamente trajados para a classe do ambiente, que, mesmo de época, ainda se impõe; ma o disparar de flash da máquina digital de um casal de turistas me traz de volta dessa "viagem", e eu, do fundo do salão, volto a reparar nas pessoas, meu mais recente hobby.

É muito interessante a diversidade de todos nas mesas, incluindo os gringos, mas algo que chama muita atenção é a completa ausência de negros, salvo os que servem as mesas e os do lado de lá do balcão. O tempo pode ter passado, mas o Brasil ainda mantém realidades que precisam ser resolvidas, de fato.

Ao som do sopro majestoso de mestre Pixinguinha, sigo observando e vejo a senhora de longa idade, o jovem executivo, as duas secretárias, o designer, a estudante de aparelho nos dentes e sem óculos na companhia dos pais, um jovem casal de meia idade, o clássico advogado de cabelos brancos, com blazer e camisa azuis e calça bege, o maitre, os flashes das máquinas sempre presentes e o tempo que, com o veludo da voz de Chet Baker ao fundo, me faz lembrar dos que aqui passaram e compartilharam sonhos, segredos, amores e boas gargalhadas, todos na construção de um momento de vida, todos acreditando que o amanhã seria certo, todos certos de que um novo momento, ainda melhor, haveria de chegar...

Tudo isso tendo esse salão por testemunha, o barulho dos talheres, conversas e xícaras como complemento de fundo musical, e a Confeitaria Colombo como esse portal que une sonhos e gerações.

domingo, 17 de maio de 2009

OSGEMEOS


Otávio e Gustavo Pandolfo são OSGEMEOS (assim mesmo, junto e com letras maiúsculas), e são eles que nos levam, por meio de seus trabalhos, para locais mágicos e com elementos bem conhecidos, como se fossem portais para outras dimensões, mas dimensões de nós mesmos, de nosso imaginário, de nossos sonhos.

O uso de estampas e coloridos intensos e bem trabalhados estão presentes em quase todo o seu trabalho e as pessoas amarelas são marcas registradas, mas o mais interessante do trabalho é ver como o talento desses dois grafiteiros paulistanos transcendeu a arte do muro, da rua, assim como o das galerias e demais espaços compreendidos como específicos para exposição de "arte". A junção de elementos e o demonstrar de possibilidades múltiplas, como a montagem de uma casa dentro de uma cabeça de madeira ou o caleidoscópio quase espacial de uma outra, nos faz recordas que a arte vai bem além do uso de um único sentido, a visão, e estamos o tempo inteiro interagindo com elementos em nossa vida, em nosso cotidiano, que pode nos transpor para ambientes como esses em que OSGEMEOS nos levam com o seu trabalho.

A poesia está presente em todo o trabalho, assim como em nosso dia-a-dia, nos proporcionando a visão da beleza singela na conjugação de cores e na junção de elementos bem diferentes dos usados nas telas e nos muros. Ir além, saltar no abismo, se permitindo sonhar e compartilhar as visões dentro desses sonhos é o que a exposição Vertigem, que o Centro Cultural do Banco Brasil abrigou, nos deu.

OSGEMEOS mostram o novo mundo da arte e da possibilidade, e as ruas estão em constante movimento.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

De Ver Cidade

Foto Walda Marques

Não sou arquiteto, mas um cidadão que vive dentro desse emaranhado da cidade eu sou, e, como tal, por vezes percebo essa interação, especialmente agora que busco nova morada em nova pólis.
Fato é que as andanças por esses espaços mostram coisas interessantes, e uma delas surgiu em conversa com minha irmã, a super fotógrafa Walda Marques (www.tabernasaojorge.com.br), quando concluímos que as intervenções que nelas são feitas seguem para a história e com elas interagimos, e é esse presente, o de viver a partir das novas ruas, dos espaços recompostos, do pensar urbano que se forma a partir do sucesso de intervenções realizadas em uma cidade.

Belém é um bom exemplo disso: após o trabalho impressionante do arquiteto Paulo Chaves à frente da Secretaria de Cultura do Pará, obrigatoriamente nos relacionamos com uma nova cidade a partir dos espaços novos e/ou readequados que surgiram, e que a obriga inclusive a pensar sua periferia, seja pela ausência de uma intervenção direta nela - o que pode ser fruto de abandono e descaso - como pela necessidade criativa de formar pontes que liguem essa cidade cada vez mais separada.

Fato é que após esse trabalho, o que fica posto à cidade e aos que nela habitam e passeiam é a interação presente e o pensar no futuro, já que a discussão somente em torno do nome do administrador de quem a fez somente serve para comprovar que o trabalho realizado atingiu o objetivo maior de permitir uma nova interação com um lugar que precisa agora saber para onde deseja ir a partir da relação estabelecida entre seus cidadãos, os espaços públicos existentes e a urbanidade fruto desse emaranhado.

Isso é o que vejo e sinto nessa manhã cinzenta de outono carioca...mesmo não sendo arquiteto.

EFÊMERO*

Pensar sobre a efemeridade do tempo me parece uma grande bobagem, porque, ao pensarmos nisso, deixamos que a vida se escorra com a rapidez invisível da desatenção e da ingenuidade da crença de que ele pára e aguarda a conclusão de nosso pensamento.

Maratonista campeão da corrida do destino, esse senhor nos mostra que o importante mesmo é usarmos o tempo de passagem, o tempo do viver, com a alegria comovente de um cachorro em um passeio na janela do carro, aproveitando a paisagem, se refrescando e tendo a certeza de que, quando o veículo parar, o vento foi companhia constante e fez do passeio um momento especial e de muita brisa.

* Para Carlos Obed, o Caco.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Belém e seu abajour lilás

Da janela do quarto vejo o amanhecer em Belém e o seu ceú lilás, esse que imita o abajour que encanta Dalva de Oliveira e que me traz tanta coisa boa, tanta visão do ontem e do amanhã. Este presente portal me permite ver a cidade com os encantos que tem, permitindo esse encontro quase despedida de quem fará longa viagem e não sabe quando volta.

Para quem não a conhece, sugiro presteza para ver o que Belém guarda e apresenta. Sua chuva na tarde com fortes pingos mostra a beleza do sol refletindo nesse conjunto de gotas, o anoitecer nos recebe com abraço quente e convidativo, e uma passagem na Taberna São Jorge não faz parte da programação da cidade, mas sim da vida. Nunca venha a Belém e deixe de conhecer esse lugar.

O Rio de Janeiro e os aromas que guarda são inéditos, mas Belém é cidade irmã, dessas que surpreende e lhe presenteia com o sentido pleno do amor que a amizade produz.

Volto para minha bela canção de Dalva e vejo, com o amanhecer lilás à frente, o abajour antes cantado como cantiga de ninar. Tu consegues escutar?