sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Círio, uma experiência de fé...no amanhã.

É madrugada. Deixo a Taberna São Jorge, em Belém do Pará, e sigo para o aeroporto, onde pegarei o avião que me levará de volta ao Rio.
Mais um Círio vivido naquela cidade, o de número 217, muito mais do que os meus 38 anos de vida. Como sempre, impressionante, como de costume, um colosso; dois milhões de pessoas no trajeto da procissão que homenageia a padroeira dos paraenses, Nossa Senhora de Nazaré, ou "Naza", "Nazica", "Nazarezinha", para os íntimos romeiros pagadores de promessa. Realmente a fé de um povo inteiro, o momento Ramadã dos nascidos ali, que sempre voltam no segundo domingo de outubro, produzindo um dos maiores eventos religiosos que se tem notícia. Não é exagero dizer que só indo ao Círio para entender e sentir o que acontece naquele lugar; a presença de algo maior é sentido quando a imagem passa na berlinda lindamente enfeitada, e para quem vai além das religiões e compreende o Altivo como energia coletiva e em movimento, aquele é um bom exemplo de receptor e irradiador de energia, um legítimo hub de fé e positividade.

Quisera eu que esse capital social todo mobilizado em outubro durasse durante o ano inteiro, que toda a logística e mobilização conjunta realizada em torno do Círio fossem utilizadas também para reduzir a quantidade de pessoas que me disseram que de lá queriam sair, que funcionasse para produzir durante todo o ano a reverberação daquela esperança vista e sentida nas orações de senhoras simples, no caminhar descalço do senhor com o filho nos ombros, na alegria de uma família junta em torno de uma mesa. Belém dá ensinamento a muitos lugares sem saber ainda como se beneficiar disso. Na cidade do "já teve" existe um potencial gigantesco por natureza - como anuncia o hino nacional -, mas ainda adormecido em um berço não mais tão esplêndido. Jovens ainda estão sem a oportunidade merecida, a sensação de insegurança é espantosa, o trânsito confuso da grande metrópole fica ainda mais confuso com asfaltamentos e obras fora de hora ou sem planejamento, enfim, os dilemas de muitas outras cidades Brasil afora.

Porém, devo dizer que deixei Belém pensando na força impressionante que aquela cidade tem em mobilizar um número de pessoas em quantidade como aquela, de forma ordeira, pacífica, positiva e proativa. Repito: de acordo com os dados oficiais, eram cerca de dois milhões de pessoas na procissão, em uma cidade que tem em torno de um milhão e meio de habitantes. É muita coisa! E, pessoa que vai longe nos pensamentos que sou, fiquei "viajando" no efeito que causaria uma "Diretoria da Festa" organizada para além dela, pensando a cidade de forma sistemática, holística, como gostam de pregar os gurus da gestão moderna, ampliando suas potencialidades, criando ambientes de desenvolvimento coletivo e de convivência, permitindo aos seus jovens uma convivência para o crescimento conjunto do intelecto, das oportunidades e do espírito.

Belém, aquela cidade portal da Amazônia, ainda tem muito do seu charme em pé, da beleza gentil dos seus habitantes, da possibilidade de se levantar e ir além do "já teve", construindo no hoje o seu futuro. Passado que lhe dê lastro para isso existe, resta agora um olhar (dos céus?) para que suas velas sejam lançadas ao vento do amanhã com a dignidade morena do povo do Pará.

Vejo o Rio de Janeiro pela janela. Em breve pouso.

Viva Nossa Senhora de Nazaré!