sábado, 14 de abril de 2012

Uma Unha de Prosa

Diversas são as formas de um povo formar e mostrar sua identidade, e a gastronomia é uma delas. Alçada a uma atividade de destaque, atualmente não são poucos os jovens que sonham com o quase status de celebridade à frente de um fogão, panelas, caçarolas, frigideiras, temperos e aventais alvos; é só dar uma passeada nos canais de TV abertos e fechados.

O Pará sempre teve uma ótima gastronomia, apontada por muitos especialistas como a que pode ser chamada de genuinamente brasileira, por suas origens indígenas. Graças aos esforços do saudoso chef Paulo Martins, que junto com sua mãe capitaneou o histórico “Lá em Casa”, os ingredientes mais utilizados e típicos da culinária do Pará ganharam o mundo e hoje abrilhantam pratos de restaurantes festejados, muitos com estrelas no famoso Guia Michelin.

Até o mítico Adrià, do “El Buli”, acompanhado do chef brasileiro Alex Atala, do “Dom”, estiveram em Belém rendendo suas homenagens e agradecimentos a Paulo Martins, por desvendar de forma tão estruturada e didática os produtos quase mágicos dessa cozinha genuinamente amazônica. Sim, porque não é em qualquer lugar que encontramos uma erva como o jambú, que faz tremer a língua e os lábios.

O “Ver-o-Peso da Cozinha Paraense”, evento criado por Martins, está na sua décima edição e já ocupou o mercado que lhe empresta o nome, promovendo um encontro entre os estrelados chefs e as clássicas boieiras do dia a dia, porque é importante esclarecer: alta gastronomia é “alta costura”, bóia é “pret à porter”, e ambas são hype na sua medida.

Quem está na capital paraense poderá desfrutar desse evento que enaltece sua gastronomia como arte – e já existem planos do Governo do Estado para instalar uma escola para formação de chefs -, mas não poderá desfrutar de uma das maiores delícias que ali se criou, que é a unha de caranguejo. Isso mesmo, unha, porque coxinha é de galinha, bolinho é de carne ou peixe (como o bacalhau) e patinha é ao vinagrete, já a unha só pode ser de caranguejo, e a encontrada em Belém do Pará proporcionava uma experiência dos deuses da gastronomia popular.

Devo dizer que além de especialista em arroz de galinha, que tem o do Isaac (na Frei Gil), como o melhor do mundo, sou um expert em unha de caranguejo, e, quando fui ávido atrás da melhor unha do planeta, que é a do Namura (na Domingos Marreiros), fui surpreendido com a informação de que o estabelecimento tinha cancelado sua fabricação do quitute, depois de sofrer uma multa de R$5.000,00, que lhe foi imputada por ser proibido em Belém a comercialização e o consumo do caranguejo desfiado, em função da “descoberta” da forma pouco higiênica do processo de extração.

Uma lei foi feita para proibir isso, que, vamos e convenhamos, não sendo vingança de alérgico, é uma grande bolada nas costas do apreciador dessa iguaria da popular gastronomia, além, óbvio, da legalidade, ou vocês acham que ninguém mais compra caranguejo desfiado em Belém? Da mesma maneira que ninguém mais bebeu quando decretada a lei seca americana, não é? Como diriam no “Veropa”, ‘te iluuuude!’

Claro que não tem defesa para o procedimento antigo de desfiar o “caranga”, mas simplesmente proibir sua produção e consumo, ao invés de definir procedimento de certificação de produtores é, no mínimo, má vontade do legislador e dos órgãos responsáveis. Enquanto se celebra a gastronomia dos grandes salões, o Pará não pode descuidar da gastronomia popular e privar os apreciadores do bom paladar de degustar pratos especiais e que trazem em si a sua singularidade, sob pena de internacionalizarmos tanto a ponto de perdermos a identidade e mais tarde pagarmos uma fortuna por um “crab nail” vindo de Miami ou, o pecado maior, importar unha congelada de Manaus, produzido com subsídio da zona franca.

Batendo recorde de industrialização, o Pará tem que pensar grande, como o tamanho que resolveu manter, e entender que mesmo uma unha de caranguejo pode sim gerar renda de forma efetiva a famílias de pescadores na sua zona gigante de mangue, definindo critérios, estabelecendo certificações, industrializando a produção ao invés de vender caranguejos in natura aos montes para o Ceará, deixando que este que vos escreve cumpra seu saboroso papel na cadeia de consumo e deixe de se sentir um "Al Capone gastronômico", porque ver o peso da cozinha paraense é ver um jeito de ser de um povo, de sua cultura, o sabor dos seus temperos, a delicadeza do seu paladar, do seu jeito de tratar e de sua alma; e no caldeirão do Pará, cabe tudo isso e mais um pouco, sempre servido com a fartura da alegria de seu povo.


Edney Martins
Belém, abril chuvoso de 2012

9 comentários:

  1. bom ler teu texto, tuas leituras, repensando relações, identidades.

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  2. Bom ver teu olhar por aqui, Cláudia. :) Bjs

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  3. Que texto a sua cara, Ed! vi uma nova publicação sobre culinária brasileira, e lembrei de vc, antes mesmo de ler este texto. Bom sinal!:)

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    1. Roberta, que bom que gostaste. Vou anotar a ideia sobre um livro de culinária amazônica, mas só como consumidor. :)

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  4. Meu Querido. Vc escreveu tudo o que eu queria falar sobre essa hitória do caranguejo! Parabens !!! Que coisa louca isso! Essa mania de brasileiro (políticos) de sempre ir pelo caminho mais fácil, é brincadeira. Procedimento errado na extração do carangejo: proibem o caranguejo desfiado! Provável engarrafamento e caos nos dias de jogos do Brasil na Copa: então vamos fazer feriados. Carros importados vendendo muito: então vamos aumentar impostos. Vinhos importandos vendendo muito: então vamos sobretaxa-los também, para proteger a industria nacional !!! Ou seja, tá tudo errado meu querido ! O que posso te dizer, é que devemos comprar um belo vinho importado, comprar umas unhas de caraguejos (que sei onde vende ;-)), e marcar uma reunião pra degustar isso tudo e falar mal desse bando de ignorantes ! Hahahahaha. Grande abraço.

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    1. Cassius, que bom que gostaste do desabafo em texto. :)
      Devo dizer que ele já serviu para receber informações sobre onde consigo encontrar a unha, no estilo Al Capone, claro.
      Sendo assim, vamos logo marcar esse vinho importado no terraço do Abelém. :)
      Abração.

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    2. Pô, no terraço não vai dar, pq não vamos ter infra de apoio. Mas vamos marcar na casa da Dona Aurilea, que ela vai adorar te ver e as unhas estao lá perto ( cuidado que podemos ser presos ! ) hahahaha. Vou viajar nesta semana, mas já está marcado para maio essa parada! Abs.

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  5. Tudo bem? Sou de Salvador e essa é a segunda vez que venho a Belém. Comi as unhas na primeira vez e agora não consigo encontrar em lugar nenhum pra comer... Já pesquisei no Google, nos sites de gastronomia. Já me bati em bares como o Bira's Bar, que ta no guia a Veja... E nadaaaa....

    Ainda estou na busca... Será q pode me dar uma dica?

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    1. Anônimo soteropolitano, antes de tudo, seja sempre bem-vindo a Belém. Que bom saber que voltaste! :)
      A questão é complexa, porque isso muda mais do que tribo nômade, tipo novas dicas a cada mês.
      Sendo você anônimo, sabe como é...podes ser um agente infiltrado pronto para derrubar os "aparelhos" da resistência unhística...e não posso ser X9, não é? :)

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