Na noite da última sexta (21/08) fiz uma visita forçada à emergência do hospital Copa D'or, no Rio de Janeiro. Pesava sobre mim uma tonelada de dor, febre, incômodo, inflamação, a sensação de quase aquela música inteira de enfermidades cantada pelos Titãs, e, claro, o "pânico" da vez: a possibilidade de ter a tal PANDEMIA SUÍNA anunciada.
É bom que se esclareça que sou dos que acreditam que as providências estão sendo tomadas e que esse negócio de pandemia é um grande exageiro, mas depois que o Jornal Nacional iniciou com o William Bonner dizendo diretamente para mim - foi para mim, não foi? - que mais quatro pessoas haviam morrido da tal gripe naquele dia, achei por bem acionar minha categoria de cidadão e ligar para o Disk Gripe (certamente primo dos trocentos "Disques" que nasceram nessa modernidade), e iniciar a conversa que se concluiu com a indicação para buscar um hospital, diante de minhas respostas positivas a todas as perguntas do protocolo montado pelo Ministério da Saúde.
Como todo bom exemplar do gênero masculino, pensei: estarei eu caminhando para o meu fim? E seria ele assim suíno por meu signo chinês ser Javali, que sempre foi um porco disfarçado? E com essa profundidade de reflexão, que bem podia ser fruto da febre que já ia nas alturas, fui com minha identidade impressa e o cartão do plano de saúde nas mãos, e debaixo de uma chuva cão que resolveu cair na cidade. Já na emergência do hospital, a espera pouca no atendimento não me permitiu fazer contato mais próximo que o simples boa noite com os demais que lá estavam àquela altura, e isso ficou totalmente impossível após meu retorno do primeiro atendimento, já com a máscara que o enfermeiro me enfiou na cara após medir pressão, temperatura, e colocar também nele a máscara que lhe garantia a segurança (devo dizer que é impressionante a clareira que fica em torno de uma pessoa com máscara; segundo um colega, ela é muito útil como ferramenta para conseguir lugar para sentar nos transportes públicos). Absorto naquela solidão que o preconceito me causou, vi o Bonner dizendo o clássico boa noite e pensei: para ti talvez, meu caro, mas aqui parece que a coisa vai loooonge.
Dois vidrinhos de sangue depois, retirados para os exames que o médico (de máscaras e mãos bem lavadas) pediu, fui vendo na TV da sala de espera as aventuras de Opash entre are babas, tics, mamadis e todo esse mundo de palavras e entusiasmadas quebradinhas de pescoço indianas da novela de Glória Perez. Ali, sozinho e com a clareira em volta de mim, comecei a pensar no monte de coisas que tinha para fazer e nos e-mails que recebi, e lembrei que entre eles tinha um que trazia a história de uma pessoa que respeito muito, o jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto. Para quem ainda não o conhece, está aí um bom momento de encontro com o que há de cidadania em todos nós.
Lúcio é um JORNALISTA, assim mesmo, com todas as letras maiúsculas. Aluno que fui do NPI, a escola de aplicação da Universidade Federal do Pará, tive a sorte de participar de um encontro com ele na escola, onde ele falou sobre eclusas (já ouviu falar disso?) com uma didática impressionante, a ponto de dar a mim e a todos os que ali estavam, a dimensão do que é Amazônia, do nosso espaço, sem que saíssemos daquele auditório. Um cara fantástico, coerente com suas opiniões e editor do Jornal Pessoal, um jornal que, de tão essencial, não pode ser chamado de alternativo. Ele é sim fundamental a uma sociedade que busque a reflexão para o seu entendimento, a compreensão do passado, esse insumo fundamental para o encontro e a conversa que vise uma construção conjunta e justa de futuro.
Fui pensando isso entre tosse, febre alta (seria por isso?) e uma ida a radiografia que o Dr. Pedro solicitou em meu prontuário. Curioso como ali naquela nova cidade eu me via lembrando da minha cidade natal e tinha a história de Lúcio como meu elemento de ligação, mas o fato de que uma pessoa como essa estivesse vivendo um dos casos mais Kafkianos da imprensa nacional era fermento desse pensar. Lúcio foi condenado por um juiz de Belém a indenizar dois empresários proprietários do maior grupo de comunicação do Norte do Brasil, o grupo "O Liberal", e a sentença - se é que aquilo assim pode ser chamado - deveria ser utilizada nos inúmeros cursos de magistratura para ensinar como NÃO ser um magistrado, como macular uma carreira, se é que esse senhor pretendeu de fato formar uma algum dia.
A condenação de Lúcio Flávio e o seu aprisionamento na cidade de Belém em razão das dezenas de ações movidas contra ele pelos proprietários do "O Liberal" é um acinte não a uma cidade, mas a princípios básicos de cada um de nós, sejamos moradores de Belém, do Rio, de São Paulo, do Chuí, do Oiapoque, de todos os cantos onde as palavras democracia e liberdade façam algum sentido. Não estou falando de um jornalista que trata a notícia de maneira cretina, falo de um profissional que é base de estudo de qualquer trabalho sério sobre a Amazônia, seja no seu âmbito econômico, social, cultural, ambiental, humano ou político, e o seu caso, que já é de domínio de todos de lá e de além mar, mostra o quanto o Pará se encontra hoje em um momento de pior nível de capital social. A perseguição a Lúcio expõe uma sociedade e a reação a ela demonstra que ainda há muito o que fazer, porque cercear isso é permitir que exista uma única verdade, um único olhar, uma opinião que não traz em si a isenção de conceder a uma sociedade um amplo grau de informação, e isso asfixia, seca, mata muito mais do que palavras; vai no campo fértil dos sonhos e atinge de maneira mortal o sentido da liberdade.
Ali, naquele hospital em noite de sexta chuvosa em Copacabana, entre máscara, agulhas, radiografias, are babas e tudo o mais, rezei. Rezei por Lúcio, por Belém, por meus filhos, por todos os que antes de nós aqui estiveram, por todos os que aqui pereceram em nome da verdade, da liberdade e da justiça, essa que não é do juiz Raimundo das Chagas, posto que não a compreende. Rezei para que mais pessoas soubessem disso e para que não ouvisse o Bonner dizendo qualquer dia desses: "Mais um caso de assassinato da liberdade no Pará".
Que a gripe suína do absurdo passe longe de nossas aldeias, de nossos lares, de nosso caminhar. Toda minha solidariedade a Lúcio e ao que ele representa.
Para quem quiser saber mais, aí vai o blog: http://solidariedadelucioflaviopinto.blogspot.com
By the way, não estou com gripe suína.
É bom que se esclareça que sou dos que acreditam que as providências estão sendo tomadas e que esse negócio de pandemia é um grande exageiro, mas depois que o Jornal Nacional iniciou com o William Bonner dizendo diretamente para mim - foi para mim, não foi? - que mais quatro pessoas haviam morrido da tal gripe naquele dia, achei por bem acionar minha categoria de cidadão e ligar para o Disk Gripe (certamente primo dos trocentos "Disques" que nasceram nessa modernidade), e iniciar a conversa que se concluiu com a indicação para buscar um hospital, diante de minhas respostas positivas a todas as perguntas do protocolo montado pelo Ministério da Saúde.
Como todo bom exemplar do gênero masculino, pensei: estarei eu caminhando para o meu fim? E seria ele assim suíno por meu signo chinês ser Javali, que sempre foi um porco disfarçado? E com essa profundidade de reflexão, que bem podia ser fruto da febre que já ia nas alturas, fui com minha identidade impressa e o cartão do plano de saúde nas mãos, e debaixo de uma chuva cão que resolveu cair na cidade. Já na emergência do hospital, a espera pouca no atendimento não me permitiu fazer contato mais próximo que o simples boa noite com os demais que lá estavam àquela altura, e isso ficou totalmente impossível após meu retorno do primeiro atendimento, já com a máscara que o enfermeiro me enfiou na cara após medir pressão, temperatura, e colocar também nele a máscara que lhe garantia a segurança (devo dizer que é impressionante a clareira que fica em torno de uma pessoa com máscara; segundo um colega, ela é muito útil como ferramenta para conseguir lugar para sentar nos transportes públicos). Absorto naquela solidão que o preconceito me causou, vi o Bonner dizendo o clássico boa noite e pensei: para ti talvez, meu caro, mas aqui parece que a coisa vai loooonge.
Dois vidrinhos de sangue depois, retirados para os exames que o médico (de máscaras e mãos bem lavadas) pediu, fui vendo na TV da sala de espera as aventuras de Opash entre are babas, tics, mamadis e todo esse mundo de palavras e entusiasmadas quebradinhas de pescoço indianas da novela de Glória Perez. Ali, sozinho e com a clareira em volta de mim, comecei a pensar no monte de coisas que tinha para fazer e nos e-mails que recebi, e lembrei que entre eles tinha um que trazia a história de uma pessoa que respeito muito, o jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto. Para quem ainda não o conhece, está aí um bom momento de encontro com o que há de cidadania em todos nós.
Lúcio é um JORNALISTA, assim mesmo, com todas as letras maiúsculas. Aluno que fui do NPI, a escola de aplicação da Universidade Federal do Pará, tive a sorte de participar de um encontro com ele na escola, onde ele falou sobre eclusas (já ouviu falar disso?) com uma didática impressionante, a ponto de dar a mim e a todos os que ali estavam, a dimensão do que é Amazônia, do nosso espaço, sem que saíssemos daquele auditório. Um cara fantástico, coerente com suas opiniões e editor do Jornal Pessoal, um jornal que, de tão essencial, não pode ser chamado de alternativo. Ele é sim fundamental a uma sociedade que busque a reflexão para o seu entendimento, a compreensão do passado, esse insumo fundamental para o encontro e a conversa que vise uma construção conjunta e justa de futuro.
Fui pensando isso entre tosse, febre alta (seria por isso?) e uma ida a radiografia que o Dr. Pedro solicitou em meu prontuário. Curioso como ali naquela nova cidade eu me via lembrando da minha cidade natal e tinha a história de Lúcio como meu elemento de ligação, mas o fato de que uma pessoa como essa estivesse vivendo um dos casos mais Kafkianos da imprensa nacional era fermento desse pensar. Lúcio foi condenado por um juiz de Belém a indenizar dois empresários proprietários do maior grupo de comunicação do Norte do Brasil, o grupo "O Liberal", e a sentença - se é que aquilo assim pode ser chamado - deveria ser utilizada nos inúmeros cursos de magistratura para ensinar como NÃO ser um magistrado, como macular uma carreira, se é que esse senhor pretendeu de fato formar uma algum dia.
A condenação de Lúcio Flávio e o seu aprisionamento na cidade de Belém em razão das dezenas de ações movidas contra ele pelos proprietários do "O Liberal" é um acinte não a uma cidade, mas a princípios básicos de cada um de nós, sejamos moradores de Belém, do Rio, de São Paulo, do Chuí, do Oiapoque, de todos os cantos onde as palavras democracia e liberdade façam algum sentido. Não estou falando de um jornalista que trata a notícia de maneira cretina, falo de um profissional que é base de estudo de qualquer trabalho sério sobre a Amazônia, seja no seu âmbito econômico, social, cultural, ambiental, humano ou político, e o seu caso, que já é de domínio de todos de lá e de além mar, mostra o quanto o Pará se encontra hoje em um momento de pior nível de capital social. A perseguição a Lúcio expõe uma sociedade e a reação a ela demonstra que ainda há muito o que fazer, porque cercear isso é permitir que exista uma única verdade, um único olhar, uma opinião que não traz em si a isenção de conceder a uma sociedade um amplo grau de informação, e isso asfixia, seca, mata muito mais do que palavras; vai no campo fértil dos sonhos e atinge de maneira mortal o sentido da liberdade.
Ali, naquele hospital em noite de sexta chuvosa em Copacabana, entre máscara, agulhas, radiografias, are babas e tudo o mais, rezei. Rezei por Lúcio, por Belém, por meus filhos, por todos os que antes de nós aqui estiveram, por todos os que aqui pereceram em nome da verdade, da liberdade e da justiça, essa que não é do juiz Raimundo das Chagas, posto que não a compreende. Rezei para que mais pessoas soubessem disso e para que não ouvisse o Bonner dizendo qualquer dia desses: "Mais um caso de assassinato da liberdade no Pará".
Que a gripe suína do absurdo passe longe de nossas aldeias, de nossos lares, de nosso caminhar. Toda minha solidariedade a Lúcio e ao que ele representa.
Para quem quiser saber mais, aí vai o blog: http://
By the way, não estou com gripe suína.
Durante a leitura de suas bens traçadas linhas, eu também orava!Que todos possamos ter lampejos reflexivos, mesmo sem o clarão do preconceito e o susto da possibilidade de não estar mais aqui pra viver e contar histórias lindas.
ResponderExcluirBjs,Roberta