quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Au revoir, mon ami.


De algum lugar escondido em Paris, onde disputava as migalhas do alimento que conseguia chegar até ele, furando o forte bloqueio da loucura nazista, o pequeno Joseph chegou ao Rio de Janeiro. Foram vários momentos até isso acontecer, é verdade, mas a vida dele começa mesmo nas areias do Rio, foi ali que aquele francesinho de verdade nasceu e desabrochou.

As tardes com ele no calçadão da Atlântica eram sempre um agradável revival a um Rio de outrora, quando ele reinou com seus longos cabelos loiros e dando pinta nos seus carros. Ver as meninas caminhando sempre foi um deleite para ele, e poucas vezes vi alguém conseguir descrevê-las com elegância e total falta de pudor ao mesmo tempo. Aquilo era uma arte, e me alegrava dele dividir suas histórias comigo, me contar do porteiro que nadava com ele e os amigos, do dia em que enfrentou onze oponentes na companhia de apenas um amigo (não pescava, mas tinha lá seus momentos de papo de pescador...rsrsrs), dos bailes de carnaval...

Me alegrei quando ele decidiu deixar o cabelo crescer novamente, aquele estilo conde francês combinava com ele e com Copacabana, aquela a quem ele chamava de sua cachaça. Cada esquina daquele bairro ele conhecia, cada casarão que caiu para nascer um espigão, cada história de herança disputada, mergulhos e nados no mar, caldos tomados, ressacas gigantes, o trotoir da Atlântica, o encontro com os amigos da juventude, tudo isso sempre povoou a vida dele, esse que era um artista do molde e do acabamento. Ele não só amava Copacabana, ele ERA a própria Copacabana e os finos fios de cabelos brancos pareciam feitos daqueles grãos de areia, tamanha a alegria com que de assanhavam ao sentir o vento vindo de lá.

Ele não era de quebrar promessas, mas confesso que tive a alegria de testemunhar quando ele quebrou aquela em que prometeu nunca mais passar o reveillon nas areias de Copa, mas o fez por um bom motivo: apresentar, alegre e todo pimpão, aquela festa linda aos seus sobrinhos netos, debutantes que eram naquela festança carioca. Celebramos juntos o ano, festejamos a vida e, acima de tudo, a união e o presente de estarmos juntos mais uma vez, e fica na vida e na memória dos pequenos João e Antônio essa honra de iniciar o ano nas areias do reinado do francês, na companhia do próprio.

Agora, assim como todo grande homem, , Joseph - que a essa altura já tinha se abrasileirado em Jorge - tinha sua grande mulher, sua companheira de jornada (e bota jornada nisso), a "best one", já que o moço gostava do esporte da conquista. Sem ela, sem sua Suely, ele nunca teria sido ele e a vida teria sido cinza, sem as cores da "tia maluca" que mostrou com dignidade ímpar o sentido da palavra com-pa-nhei-ra.

Jorge foi meu compadre, minha última tentativa de acerto nesse quesito, e que bom que nesse eu acertei, porque a vida me deu a alegria de ver como amava meus filhos, os três, independente de qual era o seu afilhado. Nunca lhe disse, mas ele era tão grande que ocupava o vácuo deixado pelos padrinhos dos outros dois. Talvez sem saber, Jorge foi um dos grandes e verdadeiros amigos que tive, e com seu olhar às vezes sombrio demais sobre o amanhã, me ensinou muito sobre o quanto as pessoas não sabem o que significa a palavra amizade. Me estendeu a mão sem fazer peguntas nem juízo, com a dignidade de um rei, isso quando "amigos" rotos nunca tiveram a dignidade de me fazer um 21 e sucumbiam às conversas cretinas de mesas de bar.

Quando precisei encontrar lugar de morada no seu reino, Jorge me colocou a bordo de sua poderosa Ipanema ano 900 e bolinha e no sábado de sol, ao invés de descansar da labuta puxada da semana, rodou diversas vezes seu principado à beira mar para buscar lugar onde me acomodar, desvendando lugares, contando histórias, compartilhando memórias das esquinas, contando o que as vozes que não mais existiam disseram nos anos de outrora. Me abriu sua casa, me estendeu sua mão, me tratou como um amigo.

Jorge foi o mais cavalheiro dos homens que conheci. Um grande amigo que tive e que acaba de nos deixar, levado pela doença que mais temeu, contra a que mais lutou e que lhe separou cedo demais daqueles que mais amou. Agora é ela que o leva de volta até eles, nos deixando aqui na ausência de sua presença, das boas conversas, das piadas de francês. Sentei aqui para escrever essas palavras como forma de homenagem, por menor que seja. Guardo comigo a alegria dos inúmeros almoços desfrutados juntos em terras do seu reinado, muitos deles na companhia de João e Antônio, que tanto lhe encheram de alegria e o faziam lembrar da bela família que sempre teve ao seu lado.

Comigo fica a risada do "tio maluco", os aniversários passados juntos, aquele feijão que o fazia revirar os olhos, o cafezinho sempre na hora certa, as ligações me perguntando como eu estava, as conversas de "pai" preocupado, a esperança em mim, a amizade verdadeira, a elegância refinada, o humor presente, a certeza de que a vida é feita de conquistas sim, mas também de muitos momentos simples, dignos e cheios da beleza que sempre embalaram as tardes de nossos encontros e que muitos não conseguem ver, nem no momento da passagem.

Joseph Tuszinsky segue comigo, como parte do homem que sou, e parte de mim segue com ele esta noite.

Descanse em paz, irmão, e até nosso próximo encontro.

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